A cidade de Lisboa tem vindo, ao longo das últimasdécadas, a perder população a um ritmo acelerado. Entre 2001 e 2011, o ritmo deperda demográfica diminuiu substancialmente, o que parece denotar uma transiçãono ciclo de vida da cidade para uma fase de reurbanização, que se caracterizapor um regresso ao centro, segundo o modelo de urbanização de Klaassen et al.
(1982).A cidade pós-moderna caracteriza-se pelo conflito epela divisão socioespacial. Este processo tem assumido, nos bairros históricos lisboetas,nomeadamente na Mouraria, uma tendência para a exclusão dos residentestradicionais que, num contexto de competição urbana, se caracterizam por umamaior fragilidade perante as transformações socioeconómicas que a economiaglobal tem induzido em diversas metrópoles.Este conflito no espaço urbano (gentrificação), que assume uma magnitude considerável nos bairroshistóricos, engloba diferentes atores: os residentes tradicionais, as classescriativas, que designaremos de nova classe média, e as instituições públicas eprivadas.
Por isso, o hipotético regresso ao centro pode relacionar-se com asnovas características das cidades no contexto pós-moderno e com as novas formasde governança urbana neoliberais que parecem potenciar as ações do mercadoimobiliário, conduzindo a uma recolonização dos centros históricos das cidades (Barata-Salgueiro, 1997).Assim, procuramos, neste ensaio, discutir de que formaas transformações da cidade pós-moderna e do modelo de governança urbana têmcontribuído para a reurbanização que, no caso da Mouraria, parece estar a serveiculada por um conflito intenso decorrente do processo de gentrificação. I. Dacondição da cidade pós-modernaNas últimasdécadas, as sociedades capitalistas ocidentais têm experienciado alterações nosdiversos domínios da vida urbana: socioeconómicas, na estrutura e na governança(Mendes, 2011).A cidadeorganizada por zonas deu lugar a um planeamento elástico e à convergência dedecisões que conduzem à construção de uma cidade polifuncional. Estatransformação simboliza a transição da cidade moderna, centrada na produção,para uma cidade pós-moderna, centrada no lazer, no consumo (Cachinho, 2006; Jayne, 2006) e em megaprojetos dereabilitação e renovação urbanas, muitos dos quais de teor imobiliário (Mendes, 2011), que resultam na expansão de umacidade fragmentada e neoliberal (Jayne, 2006).As cidadespós-modernas são, portanto, caracterizadas pela competição capitalista, onde oinvestimento estrangeiro determina as posições das cidades na hierarquiaurbana.
Internamente, a cidade pós-moderna caracteriza-se pelo conflito e peladivisão social e espacial, onde a rápida transformação urbana é explicada pelaafirmação de uma nova classe média (Baudrillard, 1975;Harvey, 1989; Jayne, 2006).A competiçãoglobal originou uma visão capitalista da cidade, gerando um forte investimentodos agentes público-privados nos centros históricos, predominando investimentosno âmbito da economia simbólica orientados para os interesses da nova classemédia (Jayne, 2006). Deste modo, os fundosdestinados aos setores da saúde, educação e habitação reorientam-se paraprojetos culturais e criativos. Hoje procura-se uma cidade a tempo inteiro, queatraia o capital, visão que pode conduzir a fenómenos de especulaçãoimobiliária (Jayne, 2006; Mendes, 2011; Smith, 1996).A cidadepós-moderna resulta, assim, de um Estado progressivamente descapitalizado quese abre aos investimentos estrangeiros, projetando o espaço urbano nas redes globais,tornando-o vibrante e cosmopolita.
Florida (2005)preconiza uma cidade competitiva apenas com a presença da classe criativa.Assim, Jayne (2006) relaciona os processos deregeneração, enquanto reforço da competitividade, com o aburguesamento dacidade, sem os quais esta não atinge o sucesso económico e cultural. II. Ciclode vida urbano: uma análise cartográfica do caso da MourariaDesde 1981 que Lisboatem perdido residentes. Este despovoamento resulta na deterioração dascondições de habitabilidade. Os ritmos de perda, bastante acelerados desde osanos 50, têm vindo a abrandar desde 2001. Por exemplo, entre 2001 e 2011, avariação foi de -3%, enquanto décadas antes era superior a -15%.
As últimas décadasforam caracterizadas por um modelo de crescimento periférico, ancorado nosprincipais eixos rodoferroviários, que conduziu a um esvaziamento eenvelhecimento das áreas centrais da cidade.Considerando, porfalta de melhor analogia administrativa, o bairro da Mouraria como a áreaintegrada nas antigas freguesias de Santiago, São Cristóvão e São Lourenço,Santa Justa e Socorro, constatamos que, ao longo das décadas, o bairro temsofrido transformações na população residente (Fig. 1 e Quadro I).Ainda antes de1950 o bairro da Mouraria encontrava-se a perder população residente, tendoatingido quebras demográficas muito significativas entre 1981-91 (-33%) e entre1991-2001 (-36%). Contudo, entre 2001 e 2011, registou-se uma tendência dereurbanização em algumas áreas da cidade, nomeadamente nos bairros históricos.Entre 2001 e 2011, a população residente na Mouraria aumentou 1,2%, revertendodécadas de decréscimo.Parece notório quea cidade de Lisboa em geral e os bairros históricos em particular têmassistido, segundo o teorizado por Klaassen et al.
(1982), a um processo dereurbanização seletiva que resulta da revalorização das áreas centrais queforam sendo alvo de projetos de reabilitação, estimulando o consumo cultural eestético valorizado pela nova classe média (Barata-Salgueiro,2001; Mendes, 2009).Devemos, agora,analisar as características socioeconómicas dessas freguesias para que possamosconcluir quanto a uma transformação do estatuto socioeconómico da populaçãoresidente na Mouraria. III. Tendênciasde transformação socioeconómica da MourariaA Mouraria sempre se caracterizou por uma elevadaheterogeneidade sociodemográfica e cultural. De um modo geral, a população nativa éenvelhecida e as novas classes médias são mais jovens (Menezes,2011). Contudo, desde o período medieval, existem na Mouraria casos desegregação socioétnica (Fonseca, 2008).Nos anos 70, a Mouraria acolheu imigrantes de diversasorigens, dados os reduzidos valores das rendas no bairro, permitindo amanutenção das características multiculturais.
Este carácter multiculturalpermitiu evitar, à época, a possibilidade de “descaracterizar culturalmente obairro” (Almeida e Xavier, 2017: 341).Em 1980 pretendeu-se que o bairro se tornasse alvo deuma política de reabilitação (Menezes, 2011). Contudoaté 2008 essas políticas foram praticamente ineficazes (Almeidae Xavier, 2017), tendo-se evitado um processo de especulação imobiliáriana Mouraria que se fez sentir em outros bairros lisboetas (Mendes, 2009). Podemos, por isso, afirmar que o bairro daMouraria constitui uma cidade dentro de uma cidade, uma vez que o bairro seorganizou autonomamente, coexistindo diversas soluções habitacionais eculturais (Matos, 1999).A inversão da imagem de relativa marginalização daMouraria parece ter ocorrido quando, em 2011, o então presidente da CâmaraMunicipal de Lisboa (CML), António Costa, decidiu deslocalizar o seu gabinetepara o Largo do Intendente. Com esta decisão, pretendia-se transformar a imagemdo bairro, associada a situações de marginalidade social e de insegurança.
Estamedida do executivo camarário marcou o início da transformação da imagem dobairro, a que se seguiu um intenso processo de reabilitação urbana (Almeida e Xavier, 2017).Este processo de transformação urbana resultouigualmente na transformação socioeconómica do bairro, tornando-se um territóriomais cosmopolita, caracterizado pelo aparecimento de novas classes médias. Areurbanização e o processo de transformação socioeconómica começam a servisíveis através dos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).
Porexemplo, entre 2001 e 2011, a população estrangeira na Mouraria aumentou de 6%para 22,3%. O processo de recolonização evidencia-se ainda na redução da idademédia dos residentes, de 47,6 anos em 2001 para 46,3 anos em 2011, e nadiminuição da proporção de população idosa que diminuiu de 29,4 para 25%, talcomo a taxa de analfabetismo, que regrediu 3,4%. Paralelamente, a populaçãoresidente com ensino superior completo aumentou de 8,6 para 16,9% (Quadro I). IV.
Gentrificação da Mouraria: oconflito entre a nova classe média e os residentes tradicionaisOboom turístico em Portugal e muitoespecificamente em Lisboa tem impactado na estrutura socioeconómica dos bairroshistóricos. Este processo de turistificação tem conduzido, paralelamente, afenómenos de gentrificação. Éneste contexto que a gentrificação pode ser analisada como um dos processosespaciais mais visíveis da transformação socioeconómica da cidade pós-moderna,verificando-se a emergência de novos produtos imobiliários e comerciais,desencadeando processos de segregação à escala do bairro (Smith, 1996), onde o tradicional é substituído pelocosmopolita. Numafase embrionária, o processo de gentrificação é pontual e fragmentado, nãohavendo processos de desalojamento ou sendo quase inexistentes. A imagem dobairro, onde coexistem todo o tipo de pessoas e uma grande diversidade cultural,constitui um elemento atrativo para os gentrifiers(Menezes, 2011).Destemodo, a chegada de novos moradores às áreas centrais, decorrente de umaestratégia de revitalização urbana, pode significar alterações dos estilos devida e do tecido social, gerando conflitos à escala do bairro. Estes processostendem mesmo a retirar aos bairros as qualidades atrativas iniciais (Alemão, 2016a), resultado da reconfiguração dasrelações espaciais, económicas e sociais (Estevens,2014; Mendes, 2010).AMouraria foi-se tornando num bairro de habitação pouco qualificada e degradada.
O potencial turístico e a carência de reabilitação urbana não foram ignoradospelo principal ator no atual conflito: o Estado.Emprimeiro lugar, a alteração da lei do arrendamento urbano (Lei n.º 31/2012)facilitou o despejo dos inquilinos em virtude do reajustamento dos contratos dearrendamento, o que permitiu a alteração dos valores das rendas. O Governodecidiu, por esta via, criar uma nova dinâmica também ao nível da reabilitaçãourbana nas áreas históricas, de forma a promover o mercado de arrendamento,medida aplaudida pelos proprietários que criticavam a situação de congelamentodas rendas. Com a crescente procura, a oferta tornou-se diminuta e assistiu-sea um fenómeno de especulação imobiliária na Mouraria, o que explica o aumentodo valor médio das rendas, que não são comportáveis para os antigos residentes.
Após as intervenções de reabilitação era possível ao proprietário abrir umestabelecimento de alojamento local ou até um hostel. Deste modo, a cidade pós-moderna, tal como Lisboa, pretendecaptar investimentos internacionais, objetivando a rápida reprodução docapital.Emsegundo lugar, note-se que os alojamentos locais, comparativamente com ashabitações tradicionais, são mais lucrativos para os proprietários num curtoespaço de tempo, uma vez que os valores médios da renda são mais elevados eporque o imposto sobre estas modalidades de alojamento era mais baixo até 2017 (Alemão, 2016a; Vieira et al., 2016; Varzim, 2017).Deve notar-se ainda que o valor médio das rendas na Mouraria aumentou de 100€,em 2001, para 227,13€, em 2011 (Quadro I). Apesar destes valores, há registosde máximos históricos que, na Mouraria, podem chegar a 1000€.Emresultado, esta fase de role-outneoliberalization por parte do Estado, aferida através da flexibilizaçãodos contratos de arrendamento, estimulou a atividade empresarial, facilitando aação dos grandes grupos imobiliários nos processos de reabilitação e,consequentemente, na expulsão de residentes. Encontram-se no espaço público daMouraria símbolos de resistência e contestação, através da expressão Massive tourism is terrorism, inculcada emalguns dos edifícios reabilitados pelos grupos imobiliários internacionais(Fig.
2). Umestudo da WTTC (2017) introduziu Lisboa nogrupo de Barcelona e Veneza em termos de pressão do turismo sobre os serviçospúblicos. O mesmo estudo alerta ainda para a expulsão de residentes que, noquadro internacional, ainda não constitui um problema na cidade de Lisboa.Contudo, a proliferação de alojamentos locais, que disparou mais de 3300% emLisboa entre 2012 e 2016, sobretudo nos bairros históricos, pode minar aqualidade do turismo, afetando não só os índices de hospitalidade (Almeida e Xavier, 2017), mas também a funçãoresidencial e a identidade destes bairros, fator que é valorizado pelosturistas. Porisso, e como salientam Estevens (2014) e Mendes (2011),o direito à habitação e à cidade está em causa nos bairros de Lisboa, uma vezque o capital financeiro se tem afirmado como o elo mediador do processo deurbanização e das dinâmicas capitalistas em virtude do dinamismo do mercadoimobiliário e de reabilitação, potenciados por um Estado cada vez maisneoliberal e descapitalizado, que anseia por investimentos e projeçãointernacionais (Sassen, 2009), o que tem permitidotransformar a cidade numa mercadoria.Consequentemente,o modelo de avaliação dos impactos do turismo no domínio sociocultural (Doxey, 1975) permite-nos salientar que, em Lisboa,estaremos entre a fase de apatia ou incómodo e, em alguns bairros tradicionais,entre o incómodo e o antagonismo.
Em Lisboa jáexistem exemplos da fase de antagonismo, como é o caso da agência de viagens We Hate Tourism Tours. A resistênciaassume também expressão no espaço público, onde se evidenciam as externalidadesnegativas da atividade turística nos bairros históricos (Fig. 2).Estaneoliberalização das políticas públicas, como apontamos, conduziu à alteraçãoda estrutura socioeconómica da população residente.
Esta alteração podeigualmente originar um conflito cultural no qual a identidade bairrista podeestar comprometida (Alemão, 2016a), uma vez que osnovos moradores apresentam comportamentos diferentes relativamente aoshabitantes autóctones (Fig. 3). Os novos residentes da classe média procuramnovos produtos, caracterizados por padrões culturais cosmopolitas, nomeadamenteprodutos biológicos ou gourmet, eespaços alternativos e criativos, como centros culturais. Paralelamente aosprodutos imobiliários, a alteração da estrutura socioeconómica impacta ainda naorganização da estrutura comercial, levando ao desaparecimento do comérciotradicional, nomeadamente das mercearias, e ao aparecimento de novas formasalternativas, nomeadamente de supermercados de proximidade com produtos de gamasegmentada e internacional. Deste modo, a oferta para o consumidor tradicionaltende a desaparecer, realçando novamente um conflito evidente. Os novosresidentes apreciam a vida bairrista, mas não se envolvem nela (Estevens, 2014; Malheiros et al., 2012; Menezes, 2011), registando-se processos dedessolidarização do entorno e de minimização das solidariedades de vizinhança.Com aintensificação dos processos de turistificação e de gentrificação na cidadesurgiu a necessidade de se criarem projetos de preservação das lojastradicionais: Lojas com História e Retalhos da Mouraria, este últimopromovido pela Associação Renovar a Mouraria com o signo de proteger, dinamizare promover o comércio da Mouraria face à nova concorrência (Alemão, 2016b).
Destemodo, a chegada de novos moradores significa alterações nos estilos de vida eno tecido social que caracterizam os bairros históricos. Essas alteraçõestendem a esquecer os mais desfavorecidos.Nestecontexto, e para garantir e proteger a autenticidade dos bairros, os moradoresauto-organizaram-se através de associações de moradores ou associaçõesbairristas a fim de combater os efeitos da gentrificação (Alemão, 2016a), na medida em que os impactos nestesespaços são sobretudo negativos (Vieira et al., 2016). Nestesgrupos informais discutem-se os principais problemas acarretados pela afirmaçãode uma cidade pós-moderna que valoriza o capital e desvaloriza as funçõessociais. Um dos pontos apresentados foi o aumento dos preços da habitação nocentro histórico que teve como consequência o afastamento dos moradores paraáreas periféricas em virtude de processos de reabilitação promovidos por gruposimobiliários internacionais, conduzindo a processos de gentrificação dosbairros históricos (Fig. 4).
Por exemplo, o movimento Morar em Lisboa, que se caracteriza como um grupo de cidadãos quepretende discutir e mudar as políticas habitacionais, tem promovido a discussãodos impactos do turismo e da lei do arrendamento urbano na vivência bairristaem Lisboa (Fig. 5 e 6). Este movimento realiza sessões de esclarecimento epretende proteger os residentes tradicionais desamparados perante a força docapital, sendo constantemente ameaçados por situações de despejo (Fig. 6). Aassociação Renovar a Mouraria, criadaem 2008, pretende revitalizar o bairro, evidenciando, preocupações com amanutenção da diversidade cultural e com a ajuda social às populações maisdesfavorecidas.Perantea constituição e a pressão destes movimentos, a CML tem-se preocupado com osprocessos de transformação socioeconómica e urbanística nas áreas históricas.Consequentemente, foi lançado em 2016 o Programa de Rendas Acessíveis que,apesar de reconhecer a incapacidade financeira de muitas famílias das classesmédias e baixas em arrendar casa no centro de Lisboa, não abrange a Mouraria (Alemão, 2016a). O atual presidente da CML, FernandoMedina, defendeu no seu programa eleitoral a necessidade de limitar oalojamento local nos bairros históricos, passando estes a ter de ser aceitespelo poder local (Relvas, 2017), defendendoinclusivamente uma cidade para todos.
O Governo também tomou medidas em relaçãoao aumento do alojamento local, tendo aumentado o imposto desta modalidade de15% para 35%, em 2017 (Varzim, 2017).Assim,as transformações no bairro da Mouraria, decorrentes do crescente dinamismo domercado imobiliário e turístico, devem-nos fazer refletir se estas iniciativaspúblicas de reabilitação e de financeirização da cidade-centro têm incorporadoe/ou conciliado os interesses e expectativas dos diversos atores, designadamentedos residentes tradicionais da Mouraria (Malheiros et al., 2012). V. ReflexõesfinaisAemergência da cidade pós-moderna, caracterizada pela fragmentação espacial, temdespoletado, no caso de Lisboa e especificamente da Mouraria, conflitosurbanos.Anecessidade de atrair capital internacional é essencial para garantir asobrevivência financeira da cidade. A globalização da economia e a mobilidadedo capital são prioridades na construção da imagem urbana na pós-modernidade. Areestruturação económica urbana, profundamente ancorada no processo deglobalização, tem conduzido à gentrificação dos bairros históricos e àfragmentação socioeconómica das áreas históricas.
NaMouraria, entre 2001 e 2011, a consolidação dos paradigmas pós-modernos eram jáevidentes. Como analisamos, os bairros históricos têm sido os espaçosprediletos do capital imobiliário, sendo nestes onde a reurbanização, ou seja, oretorno de residentes às áreas centrais, parece começar a evidenciar-se e,certamente, reforçar-se-á nos próximos anos. Contudo, este processo deve serinterpretado através das medidas de política que, por exemplo, através daalteração da lei do arrendamento urbano, facilitou as intervenções nosedifícios mais degradados, potenciando a reprodução do capital imobiliário debase privada, resultando no aumento do valor médio das rendas e no despejo deresidentes.
Esta situação resulta, a par da procura turística, das mudanças na governançaurbana, havendo a necessidade de se estabelecerem parcerias público-privadas afim de se garantir a sustentabilidade financeira das operações de reabilitaçãono espaço urbano. Nestecontexto, o interesse pelas áreas centrais e tradicionais, onde o bairro seassume como um símbolo por excelência, tem sido sobretudo desencadeado pelasnovas classes médias que, como analisamos, estão a transformar ascaracterísticas socioeconómicas destes bairros.Assim,o espaço urbano da gentrificação encontra-se inserido em lógicasinternacionais, decorrente da condição de projeção internacional da cidade e danova classe média, tendo potenciado a integração da cidade e dos bairroshistóricos no movimento da globalização económica e cultural. Deste modo, atravésda afirmação de um Estado desregulado, descapitalizado e neoliberal e de novasformas de governança urbana, surgiu um conflito que, fortemente potenciado peloturismo, questiona o direito à cidade e à habitação dos residentes maistradicionais, que se encontram pressionados pela força do capital imobiliáriode grupos privados e pela classe criativa internacional que, neste momento,parece ser a única capaz de pagar o valor da centralidade. Este facto temconduzido a uma reprodução selvática do capital na Mouraria e à perda daidentidade bairrista e, inevitavelmente, conduzido à expulsão de todos aquelesque viram o descongelamento das rendas, o turismo e o aumento generalizado daprocura de uma nova classe média criativa afetar o seu direito à cidade.